Dividindo o tempo entre o trabalho, as obrigações domésticas, a convivência e educação dos filhos, as caminhoneiras ganham as estradas brasileiras, mostrando que a paixão pela profissão e os cuidados com os filhos podem ser conciliados.
Um breve histórico
Até o século XIX, as mulheres eram destinadas aos afazeres domésticos e aos cuidados com o marido e filhos, embora haja registros da atuação dela na pré-história sendo protagonista de eventos como caça, fabricação de armas, cuidados com a alimentação da tribo e educação dos filhos.
A partir da Revolução Industrial, o trabalho da mulher passou a ser muito utilizado, sendo boa parte transferido para dentro das fábricas, na operação de máquinas.
Durante as I e II Guerras Mundiais (1914-1918 e 1939-1945), as mulheres passaram a assumir os negócios da família, com a ida dos homens para os campos de batalha.
A partir desses eventos, a duras penas, a mulher foi galgando degraus importantes para a sua independência, tomando as ruas e ocupando espaços antes dominados pelos homens, chegando inclusive, às boleias dos caminhões.
Lugar de mulher é onde ela quiser
Muitas conquistas foram alcançadas no que diz respeito à igualdade de gêneros nos últimos anos, mas ainda há muito a se combater para que a mulher tenha a liberdade de dizer “Lugar de mulher é onde ela quiser”.
Muitos setores produtivos já abraçam essa ideia, mas para as mulheres que escolheram ser caminhoneiras, combater preconceitos, desinformação e garantir direito de voz, é tarefa diária.
Mas como é ser uma mulher motorista nesse cenário? Quais são as motivações e o caminho percorrido para conseguir atuar na profissão?
Grandes desafios
Apesar de todas as dificuldades encontradas, as caminhoneiras têm garra suficiente para enfrentar o grande desafio de cuidar da família e guiar caminhões Brasil afora, com competência e compromisso
As demandas do trabalho, que muitas vezes exigem vários dias longe de casa, precisam ser administradas e a saudade faz parte da carga que transportam diariamente.
A pesquisa “Perfil dos Caminhoneiros” de 2019, produzida anualmente pela Confederação Nacional de Transporte (CNT), levantou dados mostrando que, do total de profissionais consultados, apenas 0,5% são mulheres.
Num ambiente quase 100% masculino, as caminhoneiras causam estranheza entre os colegas e sofrem desconfortos e constrangimentos para atuar com autonomia em seu espaço e conseguir respeito e confiança na profissão.
Conhecendo a história de 3 caminhoneiras brasileiras
Rosângela Gomes
Rosângela, de 46 anos, está na profissão há mais de10 anos e entrega cargas no interior de Pernambuco
Apesar da distância, ela está sempre atenta à filha Luanna Nascimento, de 24 anos. “Estamos sempre juntas, seja fisicamente ou por meio de recursos tecnológicos. Costumamos nos reunir aos fins de semana para compartilharmos nossas experiências do dia a dia. Às vezes eu me considero chata por ligar constantemente para saber como ela está. Os filhos podem até envelhecer, mas sempre serão nossos eternos bebês”, completa.
Clari Rodrigues
Moradora da cidade de Lajeado, no Rio Grande do Sul, ela puxa cimento até Curitiba e faz a rota toda semana como motorista de uma transportadora.
Clari começou na profissão com seu ex-esposo, que a incentivou e a ensinou. “Acabei pegando o jeito e vi que sabia do assunto. Comecei a trabalhar e estou nisso até hoje”, declarou. Desde o começo, a caminhoneira se sente orgulhosa por poder trabalhar e cumprir sua jornada com a mesma eficiência e competência que os homens.
“Eu fico a semana toda fora, às vezes chego a ficar o mês todo. Eu sinto muita falta da família. Nossa, é muita saudade! Eu nunca fui cobrada pelos outros, mas meus filhos me cobram às vezes, porque queriam que eu ficasse mais perto. Então eu sempre tento conciliar tudo isso”, afirmou.
Nahyra Schwanke
A alemã Nahyra, que tem 88 anos de vida e 60 de estrada, chegou ao Brasil ainda bebê e carrega o título de caminhoneira mais antiga do país.
Iniciou sua vida como caminhoneira aos 28 anos, para fazer as entregas do que era plantado na roça da família e de lá pra cá, atravessou o país na boleia de seu caminhão.
Tornou-se muito conhecida nas estradas, sendo requisitada por várias transportadoras para fazer deslocamento de cargas, colecionando recordações tristes e felizes, ao longo dos anos.
“Passei muita fome, porque não conhecia as cidades, pegava muito frete barato e sempre ia sozinha. Mas tudo tem um lado bom. Fiz bastantes amizades. Hoje eu demoro para voltar para as cidades, mas, quando retorno, sempre me perguntam com carinho por onde eu andava”, lembra.
A caminhoneira teve que conciliar a profissão, com o papel de mãe da filha Saleti. “Quando viajava, eram cerca de cinco dias para ir e mais cinco para voltar. Tinha que deixar a menina com meus pais. Naquele tempo, não havia celular. Esperava encontrar um posto de gasolina para ligar para casa e ter notícias”. Na estrada, sofreu preconceito. “Sempre faziam brincadeiras e me perguntavam se eu sabia dirigir ou até mesmo se eu não tinha vontade de me casar. Eu não ligava. Eram poucos os comentários e, na maioria das vezes, os homens me ajudavam”, ressalta.
A receita para a longevidade sempre foi não discutir com ninguém e dirigir dentro da lei. “Nunca tombei nem virei o caminhão. Multas foram poucas. Também não me envolvi em acidentes. Eu gosto mesmo é de dirigir”.
Nos dias atuais, pode até parecer estranho existirem ainda barreiras impostas às mulheres para seguirem seus sonhos profissionais e atuarem com liberdade dentro de suas escolhas, porém, para as que escolheram serem profissionais das estradas, combater preconceitos e romper os estereótipos, é tarefa diária.
Encarar estradas perigosas, trânsito, cansaço, ficar longe de casa e dos filhos por dias, semanas… Essa é a rotina de uma legião de mães, que ganham a vida transportando riquezas pela imensidão do Brasil. À elas, nossa homenagem!
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